Este livro propõe a reconsideração do estado das relações entre a Bíblia e a literatura em torno de um pacto, de longa tradição, firmado entre poesia e teologia. A questão da dessemantização bíblica constitui foco de uma inquietação, ao verificar como a Bíblia tem sido sujeita à usura sistemática de uma lógica interpretativa, de acantonamento teológico, que de algum modo encapsulou o objecto bíblico e o exauriu. A proposta aqui apresentada investe na análise da obra de quatro poetas portugueses do século XX de modo a interrogar neles os efeitos da solicitação interpretativa do texto bíblico, elevado à categoria de matéria literária por excelência. Os diferentes modos de revisitação de uma tradição literária, religiosa e cultural serão tomados como manifestações de um fazer poético sensível às potencialidades de significação da herança bíblica, a que tanto Ruy Belo, Daniel Faria, Tolentino Mendonça, como Miguel Torga se encontram vinculados, entroncando assim numa linhagem poética que aqui se declina em torno dos eixos paradigmáticos do sagrado e do profano, da mística, da hermenêutica e da heterodoxia.